CLAUDIA ROLLI
DE SÃO PAULO
Com a expectativa de a inflação acumulada em 12 meses bater na casa dos 9% no segundo semestre deste ano, o aumento real deve ficar mais distante do bolso do trabalhador. A projeção da inflação foi feita por consultorias e considera o INPC, o indicador mais usado nas negociações salariais.
Sindicatos e centrais já se mobilizam em reação a esse cenário mais desfavorável.
Campanhas de diferentes categorias profissionais estão sendo unificadas, paralisações setoriais estão sendo planejadas, abonos e benefícios podem ser incluídos nos acordos salariais para ajudar a recompor o ganho real.
Não só a inflação mais elevada, mas o aumento de demissões e da taxa de desemprego devem dificultar as negociações entre empresários e trabalhadores.
"O fraco desempenho da economia deve bater mais forte no mercado de trabalho neste ano, sobretudo na indústria e na construção civil, pondo os sindicatos na defensiva", diz o economista Fábio Romão, da consultoria LCA.
No ano passado, o setor industrial perdeu 185 mil vagas com carteira assinada. Neste, deve fechar mais 100 mil a 150 mil vagas, segundo preveem alguns analistas.
"Com aumento de juros e energia, fim da desoneração da folha de pagamento e incertezas na crise hídrica, é bem difícil falar em aumento real", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp e representante das indústrias do setor plástico.
Na construção civil, houve redução de 216 mil empregos entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2014.
Em fevereiro, o emprego na construção também sofreu impacto da operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e empresas que prestam serviços à estatal.
Os sindicatos que representam os trabalhadores da construção já discutem como manter direitos e avançar nos benefícios. "Este ano não será fácil para nenhum setor, e na construção não será diferente, com a atual situação do país. Mas não podemos abrir mão de direitos adquiridos", diz Antonio de Sousa Ramalho, que representa a categoria em São Paulo.
Em 2014, os ganhos reais (acima da inflação) superaram os de 2013, de acordo com o resultado de 716 acordos salariais analisados pelo Dieese.
"No ano passado, o desemprego se manteve baixo e havia disputa por mão de obra mais qualificada em alguns segmentos. Isso corroborou para que o rendimento médio real crescesse", diz o economista Fabio Silveira, diretor da consultoria GO Associados. Os rendimentos subiram 3,6% acima da inflação em 2014. A previsão neste ano é ficar ao redor de 1,4%.
A tendência para este ano, dizem os técnicos do Dieese, é haver um maior número de negociações que somente reponham a inflação.
No ramo farmacêutico, os sindicatos já receberam contraproposta dos empresários que prevê a correção dos salários apenas com a inflação. São 25 mil empregados em São Paulo que pedem 5% de aumento real.
"Não adianta aprovar em assembleia uma pauta que pede 10%, 20% de aumento real e depois frustrar a categoria com aumento de 1%. As pautas têm de ser realistas e considerar a produtividade de cada segmento", diz Edson Dias Bicalho, secretário-geral da Fequimfar, federação que representa químicos e farmacêuticos.
ESTRATÉGIAS
Uma das alternativas já em discussão na Força Sindical para conseguir "arrancar" reajustes maiores é buscar unificar as campanhas de diferentes categorias e entre centrais sindicais.
"Se a previsão é ter inflação acumulada mais alta no segundo semestre, vamos propor mobilização conjunta entre as categorias com data-base nesse período, como metalúrgicos", afirma Miguel Torres, que comanda a central.
Comerciários ligados a quatro centrais (CUT, Força, UGT e CTB), que representam cerca de 10 milhões de empregados no país, se reuniram na quinta-feira (19) para definir ações em conjunto para pedir piso salarial unificado e participação nos lucros, além de formas para buscar aumento real.
"O fim da isenção do IPI para a linha branca e automóveis deve trazer impacto nas negociações", diz Nilton Neco, presidente do sindicato dos comerciários em Porto Alegre.
Cerca de 30 mil garis de 130 cidades paulistas ameaçam entrar em greve a partir desta segunda. Segundo a federação da categoria, ligada à UGT, o pedido é de 5% de aumento real. Os empregadores oferecem pagar a inflação.
GRATIFICAÇÃO E ABONO SÃO SAÍDA EM ANO RUIM
Em anos considerados mais difíceis para as negociações salariais, a tendência é crescer o pagamento de reajustes de forma parcelada, a concessão de abonos para complementar a correção dos salários e gratificações que não são incluídas como custo fixo na folha de pagamento das empresas.
"Há várias formas de negociar o reajuste para que o poder de compra do trabalhador não seja afetado", diz João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
Em 2003, considerado o pior ano para as negociações salariais, segundo o Dieese, quase 30% dos 556 acordos feitos previam parcelamento da correção. Nessa ocasião, 58% dos reajustes ficaram abaixo da inflação.
As condições do país são diferentes dessa época, mas a tendência pode ser de, neste ano, haver outras formas de os sindicatos buscarem o aumento. Segundo os técnicos do Dieese, greves também não estão descartadas. "Em períodos de economia mais fraca, as greves tendem a ser defensivas, para manutenção de direitos", diz José Silvestre Prado de Oliveira, do Dieese.
Com crise ou sem crise na economia, as empresas resistem em conceder aumento real, afirma Sérgio Nobre, secretário-geral da CUT. "Arrochar salários não é o caminho. O repasse da inflação é sagrado, e o ganho real ajuda a manter a economia aquecida e as empresas a lucrarem mais."