Apesar de ambos terem sido reeleitos, enfrentam um difícil momento neste início de segundo mandato, com obstáculos financeiros e escândalos

Tradicionalmente, os cem primeiros dias de um governo costumam dar o tom da administração pública que será adotada durante o mandato. Considerando esse fato, a presidente Dilma Rousseff (PT) e o governador Beto Richa (PSDB) encontram um cenário sombrio pela frente. Apesar de ambos terem sido reeleitos, enfrentam um difícil momento neste início de segundo mandato, com obstáculos financeiros e escândalos.


No âmbito federal, as primeiras ações governamentais fizeram cair a popularidade da presidente e, consequentemente, promoveram um racha político no Congresso. Nesta quinta-feira (9), oposicionistas levaram à Câmara dos Deputados um bolo com as inscrições “Sem dias de Dilma 2” para “comemorar” ironicamente a data. Mesmo entre os parlamentares da base, o clima é de hostilidade.


Já na esfera estadual, a tentativa de ajuste fiscal, com a adoção de medidas impopulares, é a principal pedra no sapato de Richa. Conforme o cientista político do Grupo Uninter Helio Godoy, a resposta à crise econômica tem sido a marca principal dos dois governos, mas gerado efeitos negativos justamente por não estar sendo conduzida de maneira adequada. “A primeira coisa que um governo deveria fazer diante de uma crise é dar exemplo, ou seja, enxugar a máquina pública, e isso não tem sido feito”, diz.

O cientista político do Grupo Uninter Doacir Quadros diz acreditar também que, durante a campanha eleitoral, tanto a petista quanto o tucano tentaram esconder a verdadeira perspectiva de crise para aumentar as chances de vitória no pleito, o que fez cair ainda mais a credibilidade dos governantes neste início de ano. “As primeiras ações de ambos são totalmente contrárias ao que foi dito nas campanhas, isso está e vai marcar as administrações”, ressalta.

Com a ajuda dos dois cientistas políticos e do professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, aGazeta do Povo elencou esses e outros fatos que marcaram os 100 primeiros dias de governos. “Diante de todos esses acontecimentos, as administrações têm se mostrado ao menos mais dispostas a dialogar. O problema é que dialogar é uma parte, a outra é resolver”, conclui Prando.

 

GOVERNO ESTADUAL

Confira como foram os cem primeiros dias de Beto Richa

Discurso x prática

Reeleito já no primeiro turno, o governador Beto Richa (PSDB) declarou logo após o fim do pleito que o melhor estaria por vir. A promessa, porém, se manteve apenas no discurso eleitoral nesses primeiros cem dias de governo, conforme analistas. Com o caixa em baixa, o tucano se viu obrigado a tomar medidas impopulares para conter os gastos e aumentar a arrecadação já a partir do final de 2014, com o aumento do IPVA e do ICMS. “Isso logicamente levou a um processo de desgaste do governo com a opinião pública”, analisa o cientista político do Grupo Uninter Helio Godoy. Para ele, mais do que o próprio ajuste fiscal, a condução do processo por parte do governo foi errônea, já que se quis aproveitar a alta margem de apoio na Assembleia Legislativa sem abrir espaço para mais debates com a população sobre os projetos.

Pacotaço

Para especialistas, a ocupação da Assembleia Legislativa pelos professores da rede estadual, em fevereiro, é o fato político que mais marcou os cem primeiros dias de segundo mandato de Beto Richa. O protesto foi motivado pela tentativa do governo em fazer votar em regime de urgência um “pacotaço” de austeridade que atingia a classe. Ao contrário do que o governo esperava, o movimento dos professores também recebeu apoio da população em geral – conforme levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, 80% dos paranaenses aprovaram a ocupação do prédio da Assembleia e 90% foram favoráveis a paralisação da classe, que durou um mês.

Escândalo

O governo teve ainda de prestar esclarecimentos sobre o escândalo envolvendo funcionários da Receita Estadual de Londrina. Em janeiro, um assessor foi preso por suposto envolvimento em casos de exploração sexual, e o Palácio Iguaçu entrou em contradições para explicar onde ele ocupava o cargo. Mais recentemente, Luiz Abi, parente de Richa, também acabou preso por suspeitas de uso de fraude licitatória para conseguir contratos para manutenção de carros oficiais do estado. “Na medida em que foram sendo descobertas novas coisas contra os envolvidos, as pessoas começaram a fazer uma relação direta da pessoa do governador com o processo de corrupção”, diz o cientista político do Grupo Uninter Helio Godoy.

Relação com o Legislativo

Diante das medidas impopulares e dos protestos dos professores, a aprovação do governo Richa sofreu uma queda livre em cem dias: conforme levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, passou de 65% em dezembro de 2014 para 20% em março deste ano. O baque acabou provocando também um descontentamento do Legislativo com o governo. Porém, a tentativa da oposição de montar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias sobre a Receita Estadual de Londrina foi fracassada – deputados da situação aprovaram outras CPIs, atingindo o limite máximo de funcionamento de comissões na Casa.

Falta de transparência

Mesmo diante da queda de popularidade com os eleitores e de prestígio com o Legislativo, o governador Beto Richa não soube reagir e acabou “se fechando” para a população, conforme análise dos especialistas. “Faltou transparência nas ações do governo diante da crise”, avalia o cientista político do Grupo Uninter Helio Godoy. Ele observa, porém, que essa falta de reação positiva ainda não se refletiu nas ruas de maneira exponencial, como no caso da rejeição a presidente Dilma Rousseff. “Em relação ao governo estadual, o eleitor ainda mantém um certo distanciamento, ele não fica sabendo de forma mais detalhada as ações do dia a dia e não forma uma opinião, mas ainda há um estado de descrédito”, acredita.
 

Confira como foram os cem primeiros dias de Dilma Rousseff

  • 09/04/2015
  •    
  • 22h27

Discurso x prática

A presidente Dilma Rousseff (PT) conseguiu vencer a eleição mais difícil desde a redemocratização do país. A disputa acirrada fez com que a petista intensificasse as críticas aos opositores e também maquiasse a crise que batia à porta do governo. Segundo o professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, a tática foi vitoriosa, mas trouxe problemas posteriores à presidente. “Depois de eleita, todas as medidas anunciadas foram contrárias ao que ela falou em campanha e, inclusive, alinhadas com os opositores”, avalia. Ele cita como exemplos o aumento nos custos de energia elétrica e da gasolina, mudanças em regras trabalhistas (com a restrição de acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e auxílio-doença), e modificações nas normas de pensões.

Reformas ministeriais

O temido ajuste fiscal para combater os efeitos da crise econômica atingiu em cheio o primeiro escalão do governo federal nos primeiros dias de segundo mandato, com a entrada do ministro Joaquim Levy no lugar de Guido Mantega na Fazenda. O nome de Levy desagradou à esquerda. A posterior saída dos ministros da Educação, Cid Gomes, e da Comunicação Social, Thomas Traumann, também abalou o Planalto. No lugar deles foram anunciados o filósofo e professor Renato Janine Ribeiro e o ex-deputado Edinho Silva, respectivamente, numa demonstração de afago à militância petista. Diante das recentes crises com o Congresso, Dilma também se viu obrigada a escalar seu vice, Michel Temer (PMDB), na articulação política.

Escândalo

As denúncias de corrupção na Petrobras com a Operação Lava Jato alcançaram um patamar ainda maior quando da divulgação da lista de políticos supostamente envolvidos no esquema, no mês passado – a maior parte deles, da base aliada do governo. “No ano passado já se olhava para isso como uma fonte de instabilidade política e agora houve uma fragilização ainda maior da credibilidade do governo federal”, diz o cientista político do Grupo Uninter Helio Godoy. O avanço das investigações e das denúncias também mostra, segundo o cientista político Doacir Quadros, a necessidade de maior transparência dos atos governamentais.

Relação com o Legislativo

A mudança de discurso pós-eleição, as reformas impopulares e as denúncias de corrupção fizeram a popularidade da presidente Dilma Rousseff cair entre os brasileiros e afetaram a relação do governo com o Congresso. “Tudo isso está refletindo no comportamento dos parlamentares, dificultando a margem de negociação e tornando o Legislativo mais hostil”, afirma o cientista político do Grupo Uniter Doacir Quadros. A recente aprovação do texto-base do projeto que regulamenta a terceirização no país, sobre o qual o governo se posiciona contrário, é um dos exemplos dessa fragilidade.

Protestos

A instabilidade política e econômica dos primeiros cem dias de mandato é sentida literalmente nas ruas do Brasil: a desaprovação de Dilma Rousseff é de 62%, segundo pesquisa Datafolha divulgada no mês passado. A insatisfação levou parte da população a protestar em todo país – alguns, inclusive, pediram a saída da presidente do cargo. Nova manifestação está marcada para o próximo domingo (12). Para o professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, a atitude inicial do governo diante da reação popular provocou uma revolta ainda maior. “Houve um discurso de defesa, de que a presidente estaria sofrendo preconceito, mas isso não se mostrou na prática.”

Fonte: Gazeta do Povo, 10 de abril de 2015