SENSO INCOMUM
Repito parte do que escrevi há uns meses como frontispício. As redes sociais são o repositório final do caos. O lugar. Vivemos o refluxo comunicativo, que se pode chamar de shitstorm (não farei a tradução, mas é a composição das palavras shit e storm — o estagiário levanta a placa “sarcasmo”). A grande mídia não quis colocar a palavra shitstorm (falei disso em dois veículos). Somos pudicos…
Originalmente o conceito de shitstorm serve para uma porção de coisas. Byung-Chul Han trabalha bem o tema no livro No Enxame. Faço aqui uma adaptação, porque o modo como alguns influencers lidam com alguns temas e o efeito que isso causa tem muito a ver com o refluxo e com uma tempestade… Porque o Instagram (principalmente esse) faz um shitstorm geral.
Umberto Eco, Carlo Cippoli, Mauro Mendes Dias, Nestor de Holanda e tantos outros já escreveram sobre a estupidez e tentaram elaborar uma epistemologia do fenômeno. Quais são as condições pelas quais esse fenômeno exsurge?
Um dos critérios para identificar estupidezes é mensurar o grau de vergonha alheia. Essa tese já é minha. Nossa empatia vai até qual limite?
Spacca
A estupidez se auto orgulha. Nas redes sociais ela chega sobranceira. Se impondo. Cercada de likes. Virou obrigação. O errado é o sujeito que tenta lutar contra a ignorância. Algo como acontece na Alegoria da Caverna. Bonito é ser néscio.
O império do simples e da simplificação veio para ficar. O mundo, desencantado na modernidade, corre para um reencantamento. Querem colar significante e significado. Colar o “relé”. Por isso as pessoas já não entendem alegorias. Nem ironias. Ou metáforas. Coloquei a charge abaixo no Twitter. Muita gente não entendeu. Coisas como “ah, uma coisa é prestar falso testemunho; outra é mentir”. Atualmente até metáforas precisam de nota de rodapé. Eis:
De todo modo, há que se reconhecer que existe, nas redes sociais, um espaço para uma metalinguagem que consegue fazer uma crítica a esse mundo de ficções. Ainda bem. As redes criticadas de dentro das redes. É que busco fazer.
Por todos, cito Jesus Quintero — que, ao seu tempo, dirigia sua crítica à televisão. Mas vale muito para as redes sociais. Assista aqui. E faço aqui a transcrição já vertida para o português:
Sempre existiram analfabetos, mas a falta de cultura e a ignorância sempre foram sentidas como uma vergonha.
Nunca antes as pessoas se gabaram de nunca terem lido um puto livro na vida, de não se importarem com nada que pudesse ter um leve cheiro de cultura ou que exigisse uma inteligência ainda que ligeiramente superior à do primata.
Os analfabetos de hoje são os piores porque na maioria dos casos tiveram acesso à educação, sabem ler e escrever, mas não praticam.
Cada dia aumentam em número e cada dia o mercado lhes cuida mais e neles pensa.
A televisão [e as redes sociais] está se tornando cada vez mais adaptada a você.
Os horários dos diferentes canais competem na oferta de programas pensados para pessoas que não leem, que não entendem, que ignoram a cultura, que querem se divertir ou se distrair, mesmo que seja com os crimes mais brutais ou com os mais sujos trapos de lava-chão.
O mundo inteiro está sendo criado para se adequar a esta nova maioria.
Tudo é superficial, frívolo, elementar, primário… para que possam compreender e digerir.
Esses são socialmente a nova classe dominante, embora sejam sempre a classe dominada, precisamente pelo seu analfabetismo e falta de cultura, que impõe a sua falta de gosto e as suas regras mórbidas.
E assim vale para aqueles de nós que não estão satisfeitos com tão pouco, para aqueles de nós que aspiram a um pouco mais de profundidade.
Um pouco mais, cara, um pouco mais,
um pouco mais… p….!
Autoexplicativo.
Nada mais precisa ser dito.
Para quem teve a paciência de ler mais de dez linhas, permito-me dizer: ainda há tempo. Como escrevi aqui dia desses, temos de desabituar.
Algoritmo e redes sociais: saiam desse corpo que não lhes pertence…! Descarrego neles! A charge a seguir é autoexplicativa:
é professor, parecerista, advogado e sócio fundador do Streck & Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br
CONJUR