Opinião

 

 

Não há dúvidas de que a questão probatória no processo do trabalho (ainda) é um tabu. Aos que litigam na Justiça do Trabalho, não é fato incomum verificar que, a depender do sujeito que possui o ônus da prova, ele poderá vê-la invertida, vez que, por excessiva dificuldade no encargo de seu cumprimento [1] — e ciente de que as relações ali em litígio são reconhecidamente desiguais —, a inversão do encargo probatório poderá ser autorizada por parte daquele que conduz o processo.

Tais peculiaridades aumentam o nível de complexidade quando se recorda que o texto que regula as relações de trabalho é oriundo de cenário fabril, onde não se preocupava com o preciosismo da prova em âmago trabalhista. Tanto não se preocupava que nem mesmo um Código de Processo do Trabalho foi criado até hoje, passados mais de 80 anos do texto originário.

Fato que obriga os que militam nesta Justiça especializada valerem-se das disposições harmônicas existentes no Código de Processo Civil brasileiro, forte pela autorização exposta na CLT, em seu artigo 769, ratificado pelo artigo 15 do CPC, que acomoda sua utilização.

Não bastassem as dificuldades naturais frente às faltas de dispositivos — realidade que, por vezes, fragiliza a própria técnica processual —, vem ganhando espaço no “mundo trabalhista” a utilização da geolocalização na instrução dos processos, movimento que preocupa os que enxergam para além das flores vindas com a facilidade desta novidade.

É certo que tal artificio pode, de fato, tornar-se instrumento deveras eficaz, haja vista que milhares de provas serão refutadas (ou cabalmente demonstradas inidôneas). Basta que se torne possível apontar, efetivamente, onde se encontrava o reclamante quando este defende que estava de sobreaviso, ou realizando jornada extraordinária, por exemplo. Mas é preciso enxergar além.

Uso de ferramenta de forma moderada

Isso porque o outro lado da moeda pode se mostrar extremamente perigoso, eis que existem relações nas adjacências que merecem atenção especial, sob pena de tal prova violar maiores direitos do que satisfatoriamente atender às necessidades processuais requeridas. Nesse gizar, entendem estes autores que, em sendo utilizado de forma corriqueira tal instrumento, no mínimo, aos intérpretes do direito, caberá a observação de determinados limites: [2]

no caso da utilização de geolocalização no processo do trabalho, também existem (e existirão) barreiras que não podem ser ultrapassadas. A Constituição é explícita ao dispor sobre a inviolabilidade de certas informações, razão que por si só justifica a interpretação de toda e qualquer situação uníssona por esses limites – mesmo em caso de sua utilização, como fora feita. Ou seja, se para o deslinde processual necessário fosse a expedição de tais dados, entende-se que: um, seria apenas possível se feito de forma cautelosa, de maneira que a exposição se centralize nos dados que compõem a jornada do trabalhador, não sua vida privada (locais de refeições, etc); dois, caberia ao Magistrado, pelo menos, consignar em ata de audiência a imprescindibilidade de tais dados, sob pena de não estar (também) observando diretrizes constitucionais.

Ou seja, não vale tudo. Utilizar a nova ferramenta processual deve, de forma ponderada, atender às especificidades do processo e (também) estar enraizada dentro de prerrogativas constitucionais, não apenas aquelas principiológicas que preservam a dignidade de todos que estão regidos por um Estado de direito, sobretudo, pelo respeito que apregoa o artigo 5º, da Carta brasileira, aquele que garante direito à intimidade e à vida privada [3], sob pena “do vale tudo pela prova” tornar-se o próprio caminho da violação.

Respeito à constitucionalidade processual

É preciso, portanto, bem utilizar a geolocalização dentro de um universo de respeito à constitucionalidade processual. Nessa toada [4],

Significa dizer que, ainda que fosse necessária para o deslinde processual a produção de prova de levantamento de dados pessoais por meio da geolocalização, dois requisitos deveriam ser observados pelo juiz: (i) delimitação da prova, de maneira que a exposição se limite à jornada e se dê de forma não específica quanto ao itinerário dos envolvidos no ofício; (ii) fundamentação consignada em ata de audiência ou por despacho, quanto à imprescindibilidade de tal prova, por analogia ao §2º do artigo 818 da CLT.

Em tempos de processo judicial eletrônico, facilitação do peticionamento e acesso aos autos à distância de um “clique“, imprescindível também é saber determinar o porquê da prova e o limite dela. Isto é, delimitar os períodos em que se necessita a dita prova amparada pela geolocalização, a imprescindibilidade dela para o caso em concreto, assim como o que se pretende provar a partir disso. Do contrário, estar-se-á flertando com a inconstitucionalidade de prova que, futuramente, poderá ainda ser anulada por diversas razões.

Isto significa que ao julgador cabe limitar a utilização da geolocalização, seja dentro do que o processo exige, seja traçando liame mínimo (constitucional e necessário) à resolução do processo. Sem isso, viver-se-á em cenário de absoluta incerteza processual, além da total invasão de privacidade e desordenada utilização de instrumento eficaz, mas com clarividente descompassada apreciação. Em síntese, valer-se da prova de geolocalização, de fato, será (e já está sendo) importante aos processos trabalhistas, mas limites devem ser observados. Enfim, bem-vinda seja — com moderação.


[1] Tal qual como demonstra o artigo 818, § 1º da CLT. (BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm.)

[2] ALVES; Andressa Munaro; GÓES, Maurício de Carvalho. A Geolocalização e a Justiça do Trabalho: Produção de todos os meios de provas (ou não?) em direito admitidos. Jornal Jurid, 14 abr. 2023. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/doutrina/trabalhista/a-geolocalizacao-e-a-justica-do-trabalho-producao-de-todos-os-meios-de-provas-ou-nao-em-direito-admitidos.

[3] Consoante o artigo 5º, inciso X. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 31 ago. 2024.).

[4] GÓES, Maurício de Carvalho; ALVES, Andressa Munaro. Geolocalização como prova trabalhista: Ilegalidade ou efetividade?. Migalhas, 11 abr. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/384504/geolocalizacao-como-prova-trabalhista-ilegalidade-ou-efetividade.