Opinião

Como se sabe, o trabalhador que é submetido a atividades penosas, insalubres ou perigosas previstas em lei tem direito ao recebimento de remuneração adicional. O agente nocivo que dá direito à percepção de adicional de remuneração pode ensejar, também, a adoção de critérios diferenciados de tempo de contribuição e idade para aposentação, quando elencado em norma expedida pelo Executivo. Trata-se do adicional de insalubridade e da aposentadoria especial, ambos assegurados na Constituição (artigos 7º, XXIII, e 201, § 1º, II).

Quando se trata de exposição a ruído em patamar acima do permitido, o empregador se sujeita ao pagamento do adicional de insalubridade e do adicional de contribuição previdenciária Gilrat [1], à alíquota de 6% [2], que custeia a aposentadoria especial.

Importante ressalvar que a presença de agente nocivo, por si só, não caracteriza a insalubridade da atividade, tampouco as condições extraordinárias que garantem a aposentadoria especial do trabalhador. Tanto a percepção do adicional, quanto o direito à aposentadoria em condições especiais pressupõem a efetiva e permanente (não ocasional nem intermitente) exposição do trabalhador a agentes danosos à sua saúde ou integridade física.

Por essa razão (e por ser prática que representa aumento de produtividade e redução de outros custos), as empresas investem continuamente em medidas de proteção, coletivas e individuais, bem como em programas que promovem higiene e segurança no ambiente de trabalho.

EPI descaracterizaria tempo especial de aposentadoria

Em 2014, o Supremo Tribunal Federal julgou em repercussão geral o ARE 664.335, como leading case no Tema 555, em que se analisou se o fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz descaracterizaria o tempo especial para aposentadoria.

Nesse julgamento, foram fixadas duas teses [3].

A primeira ratifica que o direito à aposentadoria especial decorre da efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de maneira que a “se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”.

A segunda tese tratou especificamente do agente ruído e estabeleceu que a declaração do empregador no perfil profissiográfico previdenciário (PPP) de uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz não afasta a aposentadoria especial. Dado o efeito vinculante de tese firmada pelo STF em sede de repercussão geral, os tribunais do país passaram a replicar o entendimento.

Contudo, tem sobressaído interpretação equivocada de que a Corte Constitucional teria estabelecido que a mera presença de ruído acima dos patamares permitidos pela legislação autoriza a percepção de adicional de insalubridade e a adoção dos critérios diferenciados para aposentadoria especial. É o que se observa de decisões proferidas no âmbito da justiça trabalhista [4], bem como da atuação fiscalizatória por parte da Receita Federal, que inclusive editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB 2/2019 para amparar o lançamento do Gilrat contra as empresas.

Exposição permanente ao risco para os adicionais

Aqui cabe pontuar que o pagamento dos adicionais trabalhista e previdenciário é medida de justiça, sempre que o trabalhador for exposto a agente nocivo que prejudique sua saúde e lhe cause danos, dentre eles o ruído acima do patamar permitido.

Entretanto, o ordenamento jurídico estabelece a efetiva e permanente exposição do trabalhador ao agente nocivo como circunstância antecedente necessária à obrigação de pagamento do adicional de insalubridade e do adicional previdenciário.

Assim, a aplicação das teses fixadas pelo STF no Tema 555, especialmente aquela quanto ao ruído, deve observar a imprescindibilidade da comprovação dessa efetiva e permanente exposição do trabalhador ao agente nocivo, que não pode ser substituída por simples presunção.

O relatório técnico da eficácia do protetor auditivo, elaborado pela Comissão de Estudo — Equipamentos de Proteção Auditiva da ABNT, por exemplo, apresenta conclusão técnica de que o ruído transmitido pelo ar não tem uma contribuição significativa para o ser humano, bem como que todos os efeitos extra-auditivos comumente atribuídos à exposição ao ruído têm nexo causal com diversas doenças que não estão relacionadas com tal exposição e dependem do histórico médico da pessoa e seu modo de vida.

Com menção a outro estudo, esse mesmo relatório esclarece que a parcela de ruído transmitida via ossos e tecidos é desprezível em ambientes em que o nível de ruído é inferior a 120 dB, uma vez que a parcela transmitida por tais vias é de 40 a 50 dB menor que o ruído transmitido por via área, de modo que a informação de que o protetor auditivo não protege devido ao ruído que é transmitido via ossos e tecidos não procede.

Avaliação para presença de agentes nocivos

Existem, ainda, outros estudos científicos que revelam dados e informações imprescindíveis à avaliação da nocividade do ruído e da eficácia de medidas de proteção, como o EPI.

Tal avaliação, aliás, deve, necessariamente, ser de caráter técnico.

A análise das condições do ambiente do trabalho passa, primeiro, pela aferição da presença de agentes nocivos no local e, em segundo lugar, da verificação da exposição dos trabalhadores a tal agente.

A presença do ruído não implica, automaticamente, que o trabalhador esteja a ele exposto. A exposição do trabalhador a agente nocivo pode não se verificar em razão de medidas de prevenção e elaboração do plano de ação pelo empregador.

Conforme disposto no item 15.4.1, da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego, a eliminação ou neutralização da insalubridade e nocividade do ruído é alcançada com medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, bem como por meio da utilização de EPI, aprovado pelo órgão nacional competente, adequado aos níveis de ação, concentração e intensidade do ruído aferido, com higienização e manutenção periódica e substituição, sempre que preciso.

Em linha com o que estabelece a NR-1, o empregador deve implementar medidas de prevenção, dentre elas a eliminação dos fatores de risco, a minimização e controle desses fatores, com a adoção de medidas de proteção coletiva, medidas administrativas ou de organização do trabalho, e, também, a adoção de medidas de proteção individual.

Monitoramento da exposição ao ruído

Algumas ações preventivas que podem ser adotadas é o monitoramento regular da exposição ao ruído, a informação, capacitação e treinamento dos trabalhadores, o acompanhamento médico da saúde ocupacional, e a análise dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho.

A capacitação deve incluir o treinamento inicial e periódico, além do treinamento eventual, nas hipóteses previstas no item 1.7.1.2.3 da NR-1. Pode incluir, ainda, estágio prático, prática profissional supervisionada, orientação em serviço, exercícios simulados, habilitação para operação de máquinas e equipamentos, dentre outros.

A implementação das medidas de prevenção, eliminação do risco, sua neutralização ou mitigação deve ser registrada e devidamente documentada, para respaldar a empresa em caso de fiscalização ou litígio.

Portanto, todo o conjunto de medidas e ações adotadas deve ser analisado e considerado, quando se trata de averiguar, administrativamente ou em juízo, se há efetiva exposição a agente nocivo no ambiente de trabalho.

A verificação fática de que o trabalhador tenha se sujeitado, de fato, à ação prejudicial de fator agressivo no ambiente de trabalho, como condição à concessão do benefício do adicional remuneratório e da aposentadoria especial, não só é incontornável, como representa a melhor aplicação do precedente estabelecido pelo STF.

Isso porque constou expressamente do voto do relator do ARE 664.335, ministro Luiz Fux, que a tese firmada para o ruído se tratou de solução provisória e sujeita à revisão à luz do conhecimento científico [5].

Plano de ação para melhores práticas

Para que se proceda à reavaliação do entendimento alcançado pelo STF no Tema 555, é indispensável que a tese firmada não seja transformada em presunção absoluta de que o EPI não é capaz de eliminar a nocividade do ruído presente no ambiente de trabalho, isto é, os elementos de prova produzidos que atestem a neutralização ou redução dos efeitos desse agente a patamares permitidos (inclusive por EPI) não podem ser suplantados por um axioma.

A partir da apreciação casuística dos casos concretos, aliás, que será oportunizada ao STF a necessária revisão da tese firmada no Tema 555, manifestada pelo relator Luiz Fux em seu voto. [6]

Dado o cenário atual de litigiosidade e insegurança jurídica, as empresas devem elaborar e implementar um plano de ação embasado nas melhores práticas e no que preveem as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego [7].

A presente discussão terá novos desdobramentos a partir do julgamento de embargos em recurso de revista, pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST (SDI 1) [8] e da Controvérsia 274 [9], pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se definirá se o que consta do PPP, por si só, é suficiente para provar a eficácia ou ineficácia do EPI, na neutralização de agentes nocivos à saúde, para fins de reconhecimento de tempo especial para aposentação.

O que se espera é que nossos tribunais superiores prestigiem a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações de trabalho e do sistema previdenciário vislumbrado na instituição do adicional de remuneração e da aposentadoria especial.


[1] Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho.

[2] Conforme artigo 57 da Lei 8.213/1991, cumulado com o item 2.0.1 do Anexo IV do Decreto 3.048/2999.

[3] A transcrição das teses fixadas pelo STF no Tema 555 é a seguinte:

“I – O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

II – Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.”

[4] A exemplo do acórdão proferido no AIRR 1548-65.2012.5.15.0012, 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, relator ministro Mauricio Godinho Delgado, Dje. 29/06/2018.

[5] Cita-se o seguinte trecho do voto do ministro relator: “A segunda tese a ser firmada é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Adequando as duas teses ora firmadas, temos, nesta segunda, solução evidentemente provisória. Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido. Caso as inovações citadas sejam efetivamente criadas e implementadas, esta Suprema Corte poderá, então, rever a validade da tese para o caso específico do agente nocivo ruído.”

[6] Um dos instrumentos para a revisitação de tese jurídica formada em sede repercussão geral foi abordada por artigo de coautoria de um dos autores da presente análise, disponível em https://www.jota.info/artigos/revisao-de-tese-constitucional-vinculante.

[7] Em especial a NR-1, NR-6, NR-9 e NR-15 do MTE.

[8] Citam-se o E-RR nº 1730-98.2014.5.12.0033, E-Ag-ARR-47-46.2017.5.17.0012 e E-RR-122400-34.2007.5.17.0014.

[9] Em que foram afetados o REsp 2.080.584/PR, REsp 2.082.072/RS e REsp 2.116.343/RJ, sob relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura.