Renato Otávio da Gama Ferraz
O parlamento não pode suspender os efeitos de decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade das leis. É, sim, inconstitucional!
Pensei que já tinha visto muita coisa no Direito. Agora, a CCJ - Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, manifestou-se favorável às propostas que limitam os poderes do STF.
Uma das propostas esdrúxula e absurda seria suspender os efeitos de decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos (PEC 28/24).
Lembrei-me da frase de Jean-Louis de Lolme: "A Câmara de Lordes pode tudo, só não pode transformar um homem em uma mulher e uma mulher em um homem".
Incrível! Isso tem nome: é terraplanismo jurídico! É desrespeitar a hermenêutica constitucional. É dar um drible na Constituição!
Contem, outra, excelentíssimos deputados!
Ora, eu e você, leitor, e as pedras da rua sabemos que emendas à CF/88 podem ser inconstitucionais quando atropelam os limites do poder reformador. Pois então. É evidente de que qualquer EC tem que ter sempre o DNA da CF.
Com todo o respeito aos que pensam diferente: a verdade é que a PEC 28/24 errou feio! Faltou combinar com a CF! Faltou combinar com as cláusulas pétreas!
Por que é inconstitucional a PEC 28/24?
Vamos lá. A lei maior tem uma pedra no meio do caminho da CCJ, como no poema de Drummond, que, como se sabe, é o art. 60, § 4º, III. Mas, em tempos estranhos, é sempre bom repetir:
Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
A forma federativa de Estado;
O voto direto, secreto, universal e periódico;
A separação dos Poderes;
Os direitos e garantias individuais.
Por outras palavras, caso a emenda à CF seja promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estará escancaradamente maltratando uma matéria que a Assembleia Nacional Constituinte ordenou como cláusula pétrea, que é a separação entre os poderes.
Além do que, não se pode jamais esquecer que: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (art. 102, CF, "caput"). Ou seja, a vontade do poder constituinte originário é que o STF seja o guardião da Carta Magna. Simples assim!
Significa dizer que a última palavra, em matéria de interpretação constitucional, será sempre do Supremo. Por óbvio, não é do Poder Legislativo. Não, mesmo!
A propósito, todos os cidadãos podem e devem interpretar a CF. Porém, o STF é, sim, soberano. Vale dizer: terá sempre a palavra final envolvendo tema sobre jurisdição constitucional. Goste ou não goste.
Essa engenharia constitucional foi desenhada pela Constituinte de 1988, dando à Corte Suprema o monopólio de interpretar a lei fundamental da república.
Alguma dúvida?
A História se repete?
Tivemos o golpe de 1937. Estado Novo ou museu de grandes novidades? À época, já tinha o fake news. Inventaram o Plano Cohen, de uma suposta ameaça comunista. Vargas fechou o Congresso. Prisões. Tortura. Censura.
A Constituição de 1937, outorgada, vale dizer, sem a participação popular, que namorava com o fascismo, no art. 96, parágrafo único previa:
"No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal."
Pois é. Na ditadura de Vargas, na "defesa do interesse nacional", no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei, o Parlamento podia tornar sem efeito a decisão do Tribunal.
A história se repete? Será o fantasma da ditadura de 1937?
O curioso é que nem no regime militar ousaram fazer uma barbaridade dessas...
CCJ quer "dar o troco" no STF
A CCJ da Câmara dos Deputados finge que é cega. Não faz análise jurídica. Mas ideológica. Na verdade, ela quer "dar o troco" no Supremo na tensão entre os Poderes da República; que é fruto da polarização. Há uma dobradinha entre a extrema-direita e a CCJ para enfrentar o STF.
Querem que o Supremo seja um apêndice do Congresso...
Mas cada um no seu quadrado. Não cabe ao Parlamento meter a colher no controle de constitucionalidade. É o Sistema de Freios e Contrapesos ou Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu, no livro "O Espírito das Leis".
Olha o verdadeiro absurdo: o Congresso ser revisor e ter poder de suspender os efeitos das decisões do STF, em matéria de jurisdição constitucional.
Conclusão
Se o PCO - Poder Constituinte Originário, em 1988, criador da nova ordem jurídica, quisesse que o Congresso suspendesse os efeitos de decisões do STF, em matéria de controle de constitucionalidade das leis, estaria positivado, sim, entre os 250 artigos da CF.
Com honestidade intelectual: O PCO não o fez!
À vista disso, se por esquizofrenia constitucional a emenda à Constituição (PEC28/24) seja promulgada o Poder Constituinte Derivado (poder de faze EC), violará, sim, o limite material que o constituinte fixou, ou seja, a cláusula pétrea da separação entre os poderes (CF, art. 60, § 4º, III).
E, mais, repito: o constituinte disse que "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Isto é: a última palavra, em matéria de interpretação constitucional, será sempre do Supremo. Por óbvio, não é do Poder Legislativo. Não, mesmo!
O STF é, sim, soberano. Vale dizer: terá sempre a palavra final envolvendo tema sobre controle constitucional. Goste ou não goste! Na democracia funciona desse jeito, não é?
Simples assim!
O resto é terraplanismo jurídico! É desrespeitar a hermenêutica constitucional! É dar um drible na Constituição!
Errou feio a CCJ!
Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/417717/por-que-e-inconstitucional-a-pec-28-24