Bruno Bernardo Plaza
O presente texto aborda questões relacionadas ao Direito do Trabalho que tem passado por transformações profundas na era das novas tecnologias.
O Direito do Trabalho tem passado por transformações profundas na era das novas tecnologias, impulsionadas pelo uso crescente de plataformas digitais, inteligência artificial, automação e novas formas de trabalho, como o home office e o trabalho em plataformas de serviços (gig economy). Essa mudança exige uma atualização nas normas trabalhistas para refletir a realidade das relações de trabalho modernas e proteger os direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que responde às demandas das empresas por flexibilidade e inovação.
Em plataformas como as de transporte e entrega, surgem debates sobre o vínculo de emprego entre a plataforma e o trabalhador. Em muitos países, a discussão envolve a concessão de direitos trabalhistas básicos, como férias e seguro, para trabalhadores que são classificados como autônomos, mas dependem economicamente dessas plataformas.
As plataformas digitais permitem que os trabalhadores decidam quando e onde trabalhar, mas podem limitar essa autonomia ao determinar tarifas e modos de prestação dos serviços. Essa ambiguidade exige uma reinterpretação das normas de subordinação e autonomia.
Em relação ao aumento do teletrabalho, controlar a jornada dos colaboradores torna-se mais complexo. Muitas legislações têm adaptado o conceito de jornada para permitir maior flexibilidade, mas o direito ao descanso e à desconexão (right to disconnect) é fundamental para evitar a sobrecarga.
Definir quem arca com os custos do home office (como internet, equipamentos e manutenção) é um tema recorrente. Em muitos casos, a legislação estabelece que a empresa forneça o necessário para o trabalho remoto ou ofereça compensações.
Importante se faz destacar que a substituição de trabalhadores por IA levanta discussões sobre o impacto social da automação, especialmente em setores de baixa qualificação. O direito do trabalho deve abordar a responsabilidade social das empresas ao implementar IA e robótica.
Diante disso, tecnologias de IA e ferramentas de monitoramento permitem acompanhar de perto a produtividade dos trabalhadores, mas isso cria desafios relacionados à privacidade. A legislação precisa estabelecer limites claros para o monitoramento e o uso de dados pessoais dos colaboradores.
Outra questão relevante diz respeito às plataformas digitais e empresas de tecnologia que usam algoritmos para tomada de decisões sobre admissões, promoções e demissões. Porém, algoritmos podem ter vieses, discriminando trabalhadores com base em características como idade, gênero ou raça, e a legislação deve abordar a transparência e a ética nessas práticas.
Com o avanço tecnológico, habilidades se tornam obsoletas rapidamente. Empresas e governos têm a responsabilidade de investir em programas de requalificação para que os trabalhadores possam acompanhar a evolução das demandas do mercado.
Nesse sentido, a proteção social precisa se adaptar para amparar trabalhadores em transição entre setores afetados pela automação e setores emergentes. Modelos de apoio, como o seguro-desemprego, precisam de adaptações para suportar períodos de requalificação.
É imprescindível, também, refletir sobre a saúde mental e o trabalho digital. O trabalho remoto e a cultura do "sempre conectado" podem levar a um esgotamento psicológico, conhecido como burnout digital. Empresas têm a responsabilidade de adotar práticas que promovam o bem-estar, como limites de carga horária, pausas regulares e programas de saúde mental.
Ademais, sem a estrutura do ambiente físico do escritório, os trabalhadores remotos podem estar expostos a condições inadequadas de ergonomia. A legislação trabalhista precisa abordar diretrizes para garantir que o ambiente remoto atenda a requisitos mínimos de segurança e ergonomia.
Enfim, a era digital impulsionou uma mudança para contratos mais flexíveis, como contratos intermitentes, que permitem que o trabalhador seja convocado de acordo com a demanda. Porém, esses contratos devem garantir os direitos fundamentais, como salário proporcional e proteção social.
E as novas tecnologias, também, permitem a inclusão de grupos que, historicamente, têm dificuldades no mercado de trabalho, como pessoas com deficiência e moradores de áreas remotas. Políticas e incentivos podem ser criados para fortalecer essa inclusão.
Observa-se que a contratação remota possibilita que empresas contratem colaboradores em qualquer lugar do mundo, criando a necessidade de políticas para regular a relação trabalhista internacional e a legislação aplicável em cada caso, pois empresas que contratam em diferentes países enfrentam desafios em garantir que os colaboradores tenham acesso aos mesmos benefícios e direitos, conforme as leis locais.
Como visto, o Direito do Trabalho na era das novas tecnologias é um tema recente, e ainda está sendo regulamentado em vários aspectos, dado o rápido avanço das tecnologias digitais e sua influência nas relações de trabalho.
No Brasil, algumas legislações e dispositivos legais abordam questões relacionadas ao trabalho em plataformas digitais, ao teletrabalho e à proteção de dados dos trabalhadores. Veja-se algumas das principais legislações e dispositivos relevantes.
A Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) introduziu o conceito de teletrabalho na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, regulamentando aspectos do trabalho remoto. Ela define que o teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada, exceto em casos específicos, e deve ser formalizado por contrato que estabeleça as condições de trabalho.
Os arts. 75-A a 75-E da CLT regulam o teletrabalho, definindo que o empregador deve fornecer equipamentos, infraestrutura e reembolso de despesas, caso necessário, além de firmar um acordo formal sobre a modalidade de trabalho.
A LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709/18) estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais, inclusive no contexto laboral. As empresas devem garantir a privacidade dos dados dos empregados, sejam eles coletados no escritório ou remotamente, e fornecer acesso e controle sobre os dados coletados. Isso é particularmente relevante no trabalho remoto e para plataformas que monitoram o desempenho dos trabalhadores.
Já a MP - Medida Provisória 1.108/22 convertida na lei 14.442/22, atualizou as disposições sobre o teletrabalho, incluindo a possibilidade de trabalho híbrido, em que o trabalhador divide o tempo entre o escritório e o home office. Essa MP trata também da possibilidade de contratação por produtividade, não apenas por jornada de trabalho, e estabelece regras para trabalhadores fora do país.
Já o art. 62 da CLT exclui determinadas categorias de trabalhadores, como teletrabalhadores, do controle de jornada, o que afeta a aplicação de horas extras e o controle de horários. E o art. 6º estabelece que o uso de meios telemáticos e informatizados no trabalho, como o trabalho em plataformas digitais, não descaracteriza a subordinação do vínculo empregatício. Esse artigo foi fundamental para reconhecer que a prestação de serviços à distância ainda pode configurar vínculo de emprego.
Com o avanço das plataformas digitais e do trabalho em aplicativos, muitos trabalhadores estão buscando o reconhecimento de vínculo empregatício com as empresas de tecnologia. Em alguns países, já existem decisões judiciais obrigando empresas a reconhecer esse vínculo, o que influencia discussões no Brasil, como por exemplo, o TST e outros tribunais têm discutido o alcance da subordinação e do controle exercido pelas plataformas digitais, que podem configurar vínculos de emprego dependendo do caso.
Importante relatar também que a convenção 190 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, sobre violência e assédio no ambiente de trabalho, considera também o ambiente virtual, proporcionando uma base para combater assédio digital em contextos de teletrabalho. E a convenção 177 trata do trabalho a domicílio e pode fornecer parâmetros, ainda que indiretamente, para regulamentações do trabalho remoto.
Pelo exposto, verifica-se que o Direito do Trabalho na era das novas tecnologias está em constante evolução para lidar com as complexidades introduzidas pela transformação digital. Para que seja possível equilibrar inovação com proteção social, é necessário um esforço colaborativo entre legisladores, empresas e sindicatos. A legislação trabalhista precisa ser adaptável e dinâmica para garantir a segurança jurídica e o bem-estar dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que permite que as empresas explorem o potencial das novas tecnologias de forma ética e responsável.
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1 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Acesso em: 30 out. 2024.
2 Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm Acesso em: 30 out. 2024.
3 Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm Acesso em: 30 out. 2024.
4 Lei nº 14.442, de 2 de setembro de 2022. Dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação ao empregado e altera a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14442.htm Acesso em: 30 out. 2024.
5 Medida Provisória nº 1.108, de 25 de março de 2022. Dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e altera a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/mpv/mpv1108.htm Acesso em: 30 out. 2024.
6 OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 190. Convenção sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho Genebra, 108 ª sessão da CIT (21 de Jun 2019).
7 Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 177. Sobre o trabalho a domicilio, de 20- 06-1996.
Bruno Bernardo Plaza
Sócio Fundador da Plaza & Lyra Advogados, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, com mais de 25 anos de experiência, membro do TED - Conselho de Ética da OAB/RJ e Diretor Jurídico da FGERJ, .
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