Opinião

 

O ordenamento jurídico trabalhista deve acompanhar de forma contínua a evolução das transformações sociais e econômicas, adaptando-se às novas demandas impostas pelo progresso da sociedade. Nesse sentido, devemos abrir debates relevantes e necessários para aprimoramento da justiça laboral, como a aplicabilidade do instituto anglo-saxão Duty to Mitigate the Loss (Dever de Mitigar o Dano).

Como sabido, o direito do trabalho brasileiro é regido pelo princípio da proteção ao trabalhador, tido como parte hipossuficiente na relação de emprego, o que, à primeira vista, se oporia à utilização de instituto que impõe à parte lesada o dever de tomar medidas razoáveis para mitigar os prejuízos que alega sofrer. Contudo, diante das mudanças nas relações laborais e da crescente necessidade de equilíbrio entre os interesses das partes, a possibilidade de aplicação do Duty to Mitigate the Loss não pode ser ignorada e deve ser examinada no caso concreto, à luz de princípios como a boa-fé e a função social do contrato.

Embora a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não contemple expressamente referido instituto, ele poderia ser aplicado de forma supletiva, haja vista sua utilização no direito civil, fonte subsidiária do direito do trabalho, a fim de incentivar a postura colaborativa entre as partes.

Naturalmente, o Duty to Mitigate the Loss não poderia ter aplicação irrestrita no direito do trabalho, em razão dos princípios fundamentais, especialmente, o da irrenunciabilidade de direitos. Contudo, em situações concretas, há respaldo na ideia de proporcionalidade e razoabilidade.

Reclamação de dano moral por dificuldade de subsistência

Consideremos, a título de exemplo, um trabalhador que, ao ser dispensado sem justa causa, recusa, de forma injustificada, propostas de recolocação compatíveis com seu perfil profissional. Em uma reclamação trabalhista ajuizada, ele pleiteia indenização por dano moral, sob o argumento de que erros no pagamento das verbas rescisórias têm lhe causado dificuldades na manutenção de sua subsistência.

Uma vez devidamente comprovada, essa conduta permitiria aos Tribunais do Trabalho avaliar se o trabalhador adotou medidas razoáveis para mitigar seu próprio prejuízo ou se, ao contrário, assumiu uma postura que contribuiu para prolongar sua situação de desemprego. Contudo, tal análise deve ser realizada com critério e cautela, restrita aos casos em que haja indícios robustos de comportamento prejudicial por parte do empregado.

Outro exemplo da aplicabilidade do Duty to Mitigate the Loss seria o caso de um trabalhador que ajuíza reclamação trabalhista próximo ao termo final do prazo prescricional bienal, buscando indenização por dano moral em razão de uma desavença com superior hierárquico. Neste exemplo hipotético, não se discute aqui a gravidade do dano ou se o ocorrido poderia caracterizar assédio moral, mas sim a utilização do referido instituto para fundamentar o valor indenizatório a ser arbitrado.

Assim, o magistrado poderia considerar que o trabalhador, ao demorar para ingressar com a ação, deixou de tomar medidas razoáveis para mitigar o alegado prejuízo, o que indicaria que, embora tenha havido dano, este não teria sido suficientemente profundo para justificar uma condenação em alto valor.

Princípios da razoabilidade e proporcionalidade

Diante dos exemplos dados, pode-se ter a ilusão de que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade já abrangeria o Duty to Mitigate the Loss, contudo, importante diferenciá-los, ainda que de forma breve.

O instituto impõe à parte lesada o dever de adotar medidas razoáveis para minimizar o próprio prejuízo, evitando a ampliação de danos que poderiam ter sido evitados. É um dever de evitar ou reduzir perdas em prol de uma responsabilidade compartilhada, mas sem eximir a parte causadora do dano de sua obrigação indenizatória.

Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ambos fundamentais no direito do trabalho, buscam assegurar decisões justas e equilibradas. A razoabilidade orienta o julgador a avaliar se as condutas e alegações das partes são adequadas e compatíveis com as circunstâncias do caso concreto, evitando abusos ou decisões irrazoáveis. Já a proporcionalidade, que complementa a razoabilidade, exige que as medidas adotadas estejam em equilíbrio com os fins a serem alcançados, garantindo que, ao fixar uma indenização, o valor seja justo e adequado ao dano efetivamente sofrido, evitando tanto compensações excessivas quanto insuficientes.

Verifica-se que o Duty to Mitigate the Loss foca na conduta da parte lesada para evitar o agravamento do próprio dano, enquanto a razoabilidade e proporcionalidade são princípios orientadores para guiar o magistrado na análise da adequação e equilíbrio das medidas a serem adotadas. Em conjunto, esses conceitos buscam justiça e equilíbrio nas decisões, mas o Duty to Mitigate the Loss é um dever específico de mitigação, ao passo que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são parâmetros gerais de interpretação jurídica.

Dessa maneira, com a cautela necessária, a utilização do Duty to Mitigate the Loss no âmbito da Justiça do Trabalho oferece benefícios significativos, pois coíbe abusos e reforça o princípio da boa-fé e a conduta ética nas relações de trabalho. Esse instituto privilegia a postura proativa, encorajando as partes a contribuírem para a mitigação de prejuízos evitáveis, o que, por sua vez, fomenta um sistema mais justo e menos litigioso.

Ao respeitar a função social do contrato e os direitos fundamentais do trabalhador, a mitigação de danos se configura como um mecanismo promissor para assegurar a proporcionalidade nas decisões judiciais e reduzir conflitos, aprimorando o equilíbrio nas relações laborais e favorecendo, de modo equitativo, tanto o empregador quanto o empregado.

é advogada trabalhista do escritório Granito, Boneli e Andrery Advogados Associados (GBA Advogados Associados), pós-graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Direito Empresarial pela Faculdade Legale, em Direito Digital pela Faculdade Metropolitanas Unidas e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-nov-23/aplicacao-do-duty-to-mitigate-the-loss-na-justica-do-trabalho/