No último dia 25, o Congresso, com fundamento no artigo 49, inciso V, da Constituição, aprovou decreto legislativo (PDL 214/2025), por meio do qual sustou a eficácia dos decretos do presidente da República 12.466, 12.467 e 12.499, todos de 2025, que haviam promovido o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e restabeleceu a redação do Decreto nº 6.306/2007. No entanto, tal decreto legislativo revela-se materialmente inconstitucional, por violar o princípio da separação dos Poderes e o disposto no § 1º do artigo 153 da Constituição.

O decreto legislativo constitui instrumento normativo de competência exclusiva do Congresso Nacional, voltado à regulamentação de matérias tipicamente legislativas, nos termos do artigo 49 da Constituição. Por sua natureza, não está sujeito à sanção presidencial e pode ser proposto por qualquer membro das Casas do Parlamento. Dentre as competências ali elencadas, destaca-se a prerrogativa de sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem os limites da delegação legislativa — medida que se insere no âmbito do controle político exercido pelo Legislativo.

É importante, contudo, estabelecer distinção clara entre o decreto legislativo e o decreto regulamentar. O decreto legislativo é ato normativo primário, com força de lei, apto a inovar no ordenamento jurídico, desde que dentro dos limites materiais de sua competência constitucional. Já o decreto regulamentar tem natureza de ato normativo secundário, inserindo-se no rol das competências privativas do chefe do Poder Executivo e visa à fiel execução da lei, não podendo contrariá-la nem criar obrigações autônomas.

Dessa distinção decorre que não há hierarquia entre a lei e o decreto legislativo, já que ambos compartilham o mesmo status constitucional de ato normativo primário. No entanto, seus campos de incidência são distintos. A convivência entre esses instrumentos requer a estrita observância de suas esferas de competência, sob pena de usurpação de funções típicas de outro Poder.

Ao exercer a prerrogativa de sustar atos normativos do Executivo, nos termos do artigo 49, V, da Constituição, o Congresso atua como legislador negativo, exercendo controle político de legalidade ou constitucionalidade. Esse controle, de natureza repressiva, não implica a revogação do ato do Poder Executivo, mas tão somente a suspensão de seus efeitos, com eficácia ex tunc e erga omnes, desde que demonstrado o excesso ou o desvio da competência delegada.

Essa prerrogativa, no entanto, não se estende a atos praticados no exercício de competências constitucionais exclusivas de outro Poder. Nesse ponto reside o vício de origem do decreto legislativo aprovado: ao sustar decretos regulamentares que alteravam as alíquotas do IOF, o Congresso Nacional invadiu indevidamente esfera reservada ao chefe do Poder Executivo, extrapolando os limites do controle político previsto no artigo 49, V.

 

O IOF é tributo com função predominantemente extrafiscal, incidindo sobre operações de crédito, câmbio, seguro e títulos ou valores mobiliários. Seu objetivo primordial é regular o comportamento dos agentes econômicos, permitindo ao Estado intervir pontualmente no mercado financeiro para atenuar desequilíbrios, controlar o consumo ou proteger a economia nacional. O instrumento da alíquota variável é central nesse mecanismo de regulação.

Competência legítima do presidente

Do ponto de vista jurídico, o IOF encontra-se disciplinado por normas infraconstitucionais — a Lei nº 5.143/1966, o Decreto-Lei nº 1.783/1980 e a Lei nº 8.894/1994 — todas recepcionadas pela Constituição de 1988. O § 1º do artigo 153 da Constituição autoriza expressamente o chefe do Poder Executivo a alterar, por decreto, as alíquotas do IOF, observadas as condições e limites legais. Nenhuma dessas normas, entretanto, impõe restrições materiais ao exercício dessa prerrogativa, exceto o limite máximo de 25% previsto no artigo 5º da Lei nº 8.894/1994, aplicável exclusivamente às operações de câmbio.

Desse modo, ao editar os decretos que majoraram as alíquotas do IOF, o presidente da República exerceu competência legítima, conferida diretamente pela Constituição, sem extrapolar os limites legais ou incorrer em desvio de finalidade. Não houve, portanto, qualquer exorbitância da função regulamentar que justificasse a sustação de seus efeitos pelo Congresso Nacional.

Ao sustar tais decretos, o Parlamento deixou de atuar como legislador negativo e assumiu indevidamente função executiva, em ofensa direta ao princípio da separação dos Poderes. Tal conduta extrapola os limites constitucionais do controle político e representa uma intervenção ilegítima em competência exclusiva do chefe do Poder Executivo.

Apesar de entender que houve um desvirtuamento da função do IOF, conclui-se que o decreto legislativo aprovado é inconstitucional. Ao pretender sustar atos normativos que exercem atribuição constitucional direta e exclusiva do presidente da República, sem que houvesse excesso ou ilegalidade, o Congresso Nacional ultrapassou sua competência, comprometendo o equilíbrio entre os Poderes da República e violando frontalmente o texto constitucional.